De todas as regiões do Brasil, o Norte ainda é o que possui as piores taxas de mortalidade infantil. Esses números, que começaram a declinar significativamente a partir de meados dos anos 2000, embora em recuperação, ainda não se equiparam ao restante do país. Os desafios de gestão de saúde pública na região, incluindo fatores relacionados às grandes distâncias geográficas, têm impedido ganhos de sobrevivência mais rápidos. A crise de mortalidade por Covid-19, ocorrida em 2020 e 2021, escancarou alguns dos problemas de oferta de serviços de saúde, incluindo o atendimento de alta complexidade.

 

Dados como esses mostram a realidade da região, que vive sob os prejuízos da combinação entre a má administração pública e a necessidade de atenção e cuidados específicos por suas peculiaridades. Para se ter ideia, em relação à mortalidade infantil, o nível a ser alcançado pela Região Norte, em 2060, já terá sido atingido pelo Brasil na década de 2020. Ou seja: um atraso de décadas em relação à média nacional.

Segundo estudos da demografia, o Norte está defasado entre 20 e 30 anos no processo de transição demográfica em comparação ao restante do país. Para os pesquisadores, esse atraso não é necessariamente ruim e pode ser, inclusive, aproveitado. Os fatores que levam a eles, entretanto, são indubitavelmente preocupantes.

“É claro que os níveis de mortalidade e fecundidade em regiões que têm menos serviços de saúde, como nas florestas, por exemplo, serão mais altos. De todo modo, algo muito importante é saber que a fecundidade e a mortalidade também estão caindo no Norte”, afirma o pesquisador Cássio Turra, responsável pela elaboração do estudo “A dinâmica demográfica da Amazônia Legal: Transição Demográfica e Padrões de Longo Prazo”, em parceria com Irineu Rigotti, Fernando Fernandes e Renato Hadad, todos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para o pesquisador, essa queda nos números no Norte é difícil de notar porque a região ainda tem taxas de mortalidade maiores que a média brasileira, assim como uma menor expectativa de vida. “Está caindo o número de filhos por mulher, diminuindo mortalidade, melhorando sobrevivência. No entanto, os níveis permanecem mais altos do que a média nacional e, por isso, está 20, 30 anos atrás do que o resto do Brasil no processo de transição demográfica, mas isso é bom, porque vemos o que já desperdiçamos, o que não deu certo e dá tempo de ajustar”, ressalta.

O lado positivo

Durante os estudos da transição demográfica, fica clara a tendência de envelhecimento populacional. Especificamente na Região Norte, entretanto, o número de pessoas com até 30 anos de idade encontra-se em seu valor máximo e só deve diminuir nas próximas décadas. Por outro lado, a população adulta madura (40-59 anos) ainda crescerá até as décadas de 2040-2050.

Logo, enquanto o Brasil está envelhecendo, a Amazônia ainda vive a fase de aumento da população jovem e adulta. Do ponto de vista da transição demográfica, isso é uma oportunidade, mas também um desafio. O Norte, de fato, só conseguirá aproveitar os benefícios de seu atraso se encará-los como uma chance de mudança – o que requer uma movimentação acentuada dos gestores públicos. “Mas, se o lugar é desorganizado, não tem planejamento econômico, social e de transição, não é possível aproveitar as oportunidades”, enfatiza Turra, ao ponderar que é preciso repensar prioridades e movimentos de atuação.

“O importante hoje é garantir infraestrutura de saúde, inclusive sexual e reprodutiva, para a região, porque as pessoas querem viver mais e podem querer ter menos filhos, mas não estão conseguindo realizar suas preferências reprodutivas por falta de estrutura, de condição. Provavelmente, se a região tivesse essa infraestrutura de saúde, os níveis de fecundidade e mortalidade poderiam estar menores”, aponta, ao acrescentar que “há espaço para a fecundidade cair, caso as pessoas queiram, assim como há espaço para queda na mortalidade, e isso pode ser aproveitado nos próximos anos, porque normalmente as mortes, por exemplo, são por causas evitáveis. Mas, para isso, a educação, a saúde, precisam estar no melhor nível possível para todo mundo. Em geral, quem tem isso, tem fecundidade e mortalidade em taxas mais baixas”.

Números da Amazônia em recuperação

Projeta-se que a queda da mortalidade infantil na Região Norte continue até os anos 2060, quando o indicador deverá alcançar cerca de 10,5 mortos a cada mil nascidos vivos. Ainda que seja um valor cinco vezes maior do que o projetado para a média dos países de renda alta, equivale a 183 mortes a menos do que em 1930, a cada mil nascidos vivos. Com isso, até 2060, a população da Região Norte deve representar 10% do total da população brasileira. Isso ocorrerá graças ao crescimento populacional mais acelerado na região do que a média nacional. A expectativa, com isso, é que em 2060, a população da região some 22 milhões de habitantes.

Além disso, a distribuição intra-regional da região se modificará significativamente: o estado do Pará, por exemplo, que em 1872 representava mais de 80% da população da região, corresponderá a menos da metade em 2060, enquanto Amazonas e os demais estados formados ao longo do século 20, compreenderão a maior parcela da população. 

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