Quais atividades podem impulsionar o desenvolvimento econômico regenerativo e de baixo carbono da Amazônia ainda nessa década? As respostas mais frequentes envolvem o processamento de matérias-primas que hoje são vendidas em estado bruto, a venda de créditos de carbono florestal e a descoberta de novos compostos, moléculas ou materiais oriundos de sua biodiversidade. Essas sugestões são promissoras, mas os riscos envolvidos também são altos. Ao invés de avaliar a busca por novos produtos ou novos mercados, esse artigo mostra que a Amazônia têm um espaço enorme para ampliar sua participação nos mercados multibilionários dos produtos que suas empresas já exportam.
Esse estudo faz parte do projeto Amazônia 2030 (AMZ 2030) e suas descobertas estão ancoradas em uma base de dados especialmente construída com os valores e produtos exportados pela Amazônia e demais países do mundo entre 2017 e 2019. Essa construção foi possível pois cerca de 210 países exigem que suas empresas declarem transações de comércio exterior usando um catálogo padronizado com aproximadamente 5.000 produtos. No Brasil, esses dados estão disponibilizados por estado, o que permite a identificação aproximada das exportações originadas na Amazônia Legal.
Exportações da Amazônia
A análise dos dados revela que empreendimentos sediados na Amazônia exportaram 955 produtos entre 2017 e 2019. Entre esses produtos, 64 são oriundos de extrativismo florestal não-madeireiro, sistemas agroflorestais, pesca e piscicultura tropical e hortifruticultura tropical. No contexto desse artigo, esses 64 produtos são classificados como “compatíveis com a floresta”.
Nesse período, esses 64 produtos geraram uma receita anual de US$ 298 milhões. Esse valor parece considerável já que ele remunera atividades compatíveis com a floresta. Uma análise mais cuidadosa, porém, revela que o mercado global desses mesmos produtos movimentou US$ 176,6 bilhões por ano. Isso significa que as empresas da Amazônia mantiveram uma participação de apenas 0,17%.
Para efeito de comparação, o Brasil, que é um país com economia relativamente fechada,manteve participação média de 1,3% no período. Se as empresas da Amazônia que exportam produtos compatíveis com a floresta conseguissem atingir esse patamar, elas faturariam cerca de US$ 2,3 bilhões por ano.
Líderes do Mercado Global
Ao contrário do que ocorre com produtos industrializados como veículos automotores, computadores e remédios que são exportados por países ricos, os líderes de mercado dos produtos compatíveis com a floresta são países mais pobres, localizados em áreas tropicais úmidas. Entre eles está o Vietnã, maior exportador de pimenta do gênero piper (42%); a Bolívia (52%) e o Peru (13%), maiores exportadores de castanha sem casca; Uganda (14%), primeiro nas vendas de bexigas natatórias de peixe (“grude”) ao exterior; Equador (56%), maior exportador de palmitos; Costa Rica (50%), maior exportador de abacaxis frescos; e Costa do Marfim (40%) e Gana (18%), que são líderes nas vendas externas de cacau inteiro ou partido
Esses países têm uma economia muito menor que a brasileira e a maioria deles tem índices de investimento em saúde, educação, infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento também menores que o Brasil. Mesmo que seu custo do trabalho seja menor ou que os seus órgãos de controle ambiental sejam menos criteriosos que os brasileiros, eles enfrentam obstáculos sociais, econômicos, políticos, administrativos e geográficos que poderiam parecer intransponíveis.
Como Aprimorar a Performance da Amazônia?
A discussão sobre como aprimorar a performance das empresas da Amazônia precisa ser balizada por duas considerações. Primeiro, é importante considerar como a expansão da produção pode manter-se compatível com a floresta e seus habitantes. E segundo, é preciso aprender com erros e acertos do passado.
As pesquisas existentes mostram que o ingresso em cadeia de valor globais exige uma série de recursos que têm natureza compartilhada. Por exemplo, produtores precisam ter acesso a conhecimento sobre os seus produtos e técnicas adequadas de produção, mão de obra treinada, fornecedores competentes e com preços competitivos, inteligência de mercado e campanhas de promoção comercial. Mesmo que uma empresa se disponha a financiar esses recursos para uso próprio, eles acabam disponíveis para todas as empresas atuantes no setor.
Essa característica compartilhada cria o chamado “problema do caroneiro” (em inglês, free-riding), que dificulta a provisão dos recursos em quantidade suficiente para atender a todos os potenciais interessados. Esse tipo de problema costuma ser de difícil resolução, mas existem múltiplos casos, tanto no Brasil como no exterior, onde ele foi superado. Esses casos revelam a importância da ação coordenada entre competidores em interação com órgãos públicos. Atuando de forma conjunta, as empresas conseguem identificar os problemas mais críticos que as afligem e também adquirir o capital e conhecimento necessário para resolvê-los.
Especialistas em sistemas nacionais de inovação costumam chamar esse tipo de ação coordenada de “arranjos pré-competitivos”. Os próximos passos nesse trabalho incluirão um exame mais aprofundado sobre esses arranjos e como eles podem ser fomentados ou fortalecidos na Amazônia brasileira.
Autores: S. Coslovsky
Digital Object Identifier (DOI): http://doi.org/10.59346/report.amazonia2030.202104.ed2