Como desenvolver a Amazônia, mantendo a floresta em pé
A Amazônia é essencial para o futuro do Brasil. Até 2030, é para a Amazônia que vão olhar os principais líderes políticos e empresariais do mundo. Globalmente, conservar a floresta interessa a quem queira evitar (ou amenizar) uma catástrofe climática. Nacionalmente, a floresta em pé pode garantir que o Brasil desponte como uma potência ambiental. Para as mais de 28 milhões de pessoas que vivem na Amazônia Legal, preservar a mata significa gerar mais riqueza e qualidade de vida. Para tudo isso dar certo, é preciso mudar o modelo de desenvolvimento econômico aplicado na região. Até hoje, o Brasil tratou a floresta como uma espécie de obstáculo. Ignorou as vantagens comparativas que a Amazônia oferece. Nos próximos dez anos, caberá ao país— que concentra ⅔ do bioma — escrever uma nova história de desenvolvimento para a região. Para que ela se concretize, precisamos mapear os caminhos que vão aliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental.
Desde o início de 2020, o time de mais de 60 pesquisadores do projeto Amazônia 2030 se dedica a traçar uma radiografia da Amazônia. Com base na melhor evidência disponível, propomos caminhos possíveis para desenvolver a região. O projeto é uma iniciativa liderada por quatro instituições brasileiras. O Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Centro de Empreendedorismo da Amazônia — sediadas em Belém (PA); o Climate Policy Initiative ((CPI/PUC-Rio) e o Departamento de Economia da PUC-Rio, localizados no Rio de Janeiro. Conta, ainda, com a colaboração de uma dezena de pesquisadores de outras instituições nacionais e internacionais.
Até 2022, vamos publicar mais de 40 relatórios técnicos sobre questões-chaves para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Nos debruçaremos sobre suas dimensões sociais, ambientais, econômicas e institucionais. Esses relatórios devem combinar a excelência do conhecimento acadêmico com as experiências de empresários, lideranças sócio-ambientais, governos e tomadores de decisão atuantes na Amazônia. Os documentos reunirão recomendações estratégicas, que poderão ser aplicadas por empresas e governos na esfera nacional, estadual e municipal.
A ambição do projeto é responder algumas perguntas-chave: como conservar a floresta e os serviços ambientais associados e, ao mesmo tempo, melhorar a economia da Amazônia? Qual é o papel das políticas públicas na esfera federal e estadual para ordenar o território, aperfeiçoar o comando e controle e, sobretudo, fomentar o desenvolvimento econômico na região? Quais são os instrumentos de políticas públicas mais efetivos para atrair investimentos e desenvolver uma economia de baixo carbono na Amazônia? Como podemos aprimorar o atual arcabouço de política pública para melhorar a provisão de serviços ecossistêmicos e melhorar o bem-estar da população amazônica? Quais são as oportunidades e desafios para o desenvolvimento sustentável da região a partir da urbanização? E, por fim, como atrair e reter capital humano nas cidades amazônicas?
Parte desse imenso esforço de pesquisa já gera resultados. Ao longo dos últimos meses, publicamos uma dúzia de estudos com revelações importantes. Todos estão disponíveis para consulta neste site.
Um deles mostra, por exemplo, que há um mercado global gigantesco para produtos típicos da floresta Amazônica. Esses produtos podem gerar retorno bilionário para o Brasil. São aquilo que o pesquisador Salo Coslovsky, professor associado da Universidade de Nova York, batizou de “produtos compatíveis com a floresta”. itens à primeira vista prosaicos: cacau, pimenta-do-reino, acaí, frutas tropicais, peixes nativos entre outros em uma lista de 64 artigos já exportados. Juntos, esses produtos representam um mercado global de US$176 bi por ano, do qual o Brasil ocupa menos 0,2%.
Em outro artigo, a economista Clarrissa Gandour, pesquisadora do CPI/PUC-Rio, mostra como implementar políticas públicas para combater o desmatamento. O Brasil já foi bem-sucedido nessa tarefa: entre 2004 e 2012, a área de floresta perdida anualmente diminuiu em cerca de 80%. Uma conquista que posicionou o Brasil como um dos lideres globais na agenda de clima e conservação. Infelizmente, o desmatamento voltou a aumentar de forma drástica, especialmente a partir de 2018. Clarissa aponta que, para o futuro, além de aprimorar os mecanismos já conhecidos, será preciso dar especial atenção ao processo de degradação florestal (isto é, florestas afetadas pelo fogo e extração ilegal de madeira): hoje, 20% da Amazônia apresenta algum grau de degradação. Em termos práticos, essas são áreas do bioma que estão na antessala do desmatamento, e que podem desaparecer nos próximos anos se nada for feito. O trabalho mostra, ainda, que é preciso criar incentivos para a regeneração da floresta.
Nesse campo, há ao menos uma boa notícia: a floresta amazônica tem alta capacidade de regeneração natural. Depois de desmatada, ela consegue retomar suas funcionalidades e sua estrutura física — desde que tenham sido conservadas as condições mínimas necessárias para isso. Um estudo liderado pelo engenheiro agrônomo Paulo Amaral, do Imazon, descobriu que há, na Amazônia, uma área do tamanho da Irlanda em processo de regeneração natural. São 7,2 milhões de hectares de vegetação secundária com mais de seis anos de existência que precisam ser protegidos.
Já os pesquisadores Francisco Lima Filho, Arthur Bragança e Juliano Assunção, do CPI/PUC-Rio, demonstram que a pecuária na Amazônia — um dos setores que mais emprega na região —tem baixíssima produtividade e desmata muito. É necessário transformá-la para que a atividade se torne mais eficiente, mais lucrativa e menos danosa à floresta.
Esses trabalhos apontam que é preciso — e é possível — repensar o modelo de desenvolvimento econômico historicamente adotado na região. A economia na Amazônia se relaciona pouco com a floresta. Quando o faz, é comum que a relação seja destrutiva e envolva a derrubada da mata. Décadas de avanço do desmatamento não garantiram que a região se desenvolvesse: hoje, a Amazônia Legal concentra alguns dos piores indicadores sociais do país. Nas suas grandes cidades, um mercado de trabalho marcado por alto grau de informalidade convive com oportunidades valiosas — como a existência de uma Zona Franca, em Manaus, cujo papel no desenvolvimento da região pode ser aprimorado, se forem estreitados seus laços com o bioma.
Garantir que a Amazônia dê um salto de desenvolvimento na próxima década exigirá mudanças profundas. A ambição do Amazônia 2030 é apontar rumos possíveis para alcançá-las. Uma coisa é certa: para mudar a história da região, é preciso enxergar a floresta como opção de desenvolvimento, não como obstáculo. A Amazônia em pé será o passaporte para o desenvolvimento sustentável do Brasil no século XXI.