A mandioca, um tubérculo domesticado pelas populações indígenas da Amazônia há mais de 9 mil anos, é uma planta-chave para a segurança alimentar. Rica em amido, pode ser cultivada em solos quimicamente pobres e resistir a secas prolongadas. Além disso, a demanda mundial de mandioca cresce ano a ano — em parte motivada pela procura crescente por alimentos sem glúten. Há um consenso de que a mandioca é estratégica para o desenvolvimento da Amazônia. Apesar disso, a cadeia da mandioca na região enfrenta desafios como produtividade média inferior à do resto do Brasil, agregação de valor ainda incipiente e uma produção insuficiente para atender à demanda da própria região. Como superar esses entraves?
Uma nova pesquisa, desenvolvida pelo projeto Amazônia 2030, examina a cadeia de produção de mandioca na Amazônia, seus desafios e potencialidades. No relatório Mandioca: entre subsistência e negócio, o chef de cozinha e pesquisador Roberto Smeraldi e a engenheira química e pesquisadora do Centro de Empreendedorismo da Amazônia Manuele Lima conversam com atores fundamentais para o cultivo da mandioca na região: pequenos produtores, processadores, vendedores e cientistas. A investigação revela que, para disputar mercados mais competitivos, os produtores da Amazônia precisam incorporar tecnologia aos seus cultivos.
Apesar da origem amazônica, os cultivos de mandioca mais produtivos estão localizados nas regiões sudeste e sul do Brasil. Na região norte, as exceções são Rondônia e Acre, cuja produtividade média é próxima das registradas no sul e sudeste. A diferença entre esses dois estados e o restante da Amazônia está na tecnologia de adubação que seus produtores empregam, e na introdução de mecanização nos cultivos.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima em aproximadamente 40 toneladas por hectare o rendimento ideal do cultivo da mandioca em condições favoráveis de clima e solo, disponíveis na Amazônia. Apesar dos resultados acima da média, mesmo Rondônia e Acre continuam longe desse patamar ideal: sua produtividade gira em torno de 23 toneladas por hectare. Há largo espaço para implementação de melhorias.
Otimismo e planos para o futuro
Apesar dos problemas e da baixa produtividade, os atores ligados à cadeia da mandioca na Amazônia têm uma visão otimista do futuro, revela o estudo. A diversidade de produtos que podem ser originados pela mandioca continua despertando interesse de produtores e empresas. A Fundação Amazonas Sustentável tem investido em levar a farinha de Uarini – com processo peculiar de fabricação que resulta num formato oval da granulação – ao mercado através de plataformas virtuais, como é o caso das Lojas Americanas. No Acre, houve investimento ao longo de mais de dez anos na criação e reconhecimento da Indicação Geográfica (IG) para a farinha de mandioca de Cruzeiro do Sul. O reconhecimento da Indicação Geográfica traz benefícios como a padronização do modo de fazer, o que contribui para proteger o conhecimento tradicional e organizar melhor os produtores.
Por fim, há grande expectativa em relação ao tucupi — um subproduto da mandioca com grande aceitação entre chefes de cozinha e mercados consumidores fora da Amazônia. Uma das empresas que atuam na região, a Manioca chegou a desenvolver um tucupi de prateleira, que não precisa de refrigeração e é acondicionado em uma embalagem desenhada especificamente para venda no grande varejo.
Os casos examinados sugerem que um dos caminhos desejáveis para a cadeia da mandioca na Amazônia envolve explorar para usos especializados a diversidade de variedades nativas e cultivares desenvolvidos. Para isso dar certo, no entanto, o aumento da produtividade é fator crítico. “A cadeia da mandioca como negócio requer o estabelecimento de indústrias, a diversificação de variedades aptas para diferentes produtos e o processamento especializado de subprodutos. Para tanto, é crítico que a região se torne autossuficiente em termos de consumo e ainda possa garantir um excedente expressivo”, escrevem os autores.
Autores: Roberto Smeraldi e Manuele Lima dos Santos
Digital Object Identifier (DOI): http://doi.org/10.59346/report.amazonia2030.202111.ed19