Ilegalidade e Violência na Amazônia

Este relatório analisa a evolução da violência na Amazônia Legal nos últimos 20 anos, tendo por foco a relação entre eventos violentos ou homicídios e atividades ilegais relacionadas a crimes ambientais. A região, que tinha níveis relativamente baixos de violência até o fim da década de 1990, se tornou uma das mais violentas do país no período recente. Colocando em perspectiva, se fosse um país, em 1999 a Amazônia ocuparia a 26a posição entre as taxas de homicídio mais altas do mundo (segundo o ranking do Health Metrics and Evaluation). Já em 2017, a região ocuparia a 4a posição nesse mesmo ranking, ficando atrás somente de El Salvador, Venezuela e Honduras.

Três atividades ilegais relacionadas a crimes ambientais destacam-se como fatores que ajudam a explicar o crescimento expressivo da violência na região: a ocupação irregular de terras e a exploração ilegal de madeira e de ouro. Essas três atividades ilegais norteiam a maior parte da discussão neste relatório. O relatório discute de que forma as mudanças na regulação desses três mercados, e nos mecanismos de monitoramento e punição à disposição do Estado, afetaram os incentivos à ilegalidade e, consequentemente, a incidência de violência na região.

Do ponto de vista analítico, a perspectiva adotada sugere que esses diferentes tipos de exploração ilegal de recursos naturais estão conectados por questões em comum, que condicionam tanto a presença de atividades ilegais quanto a violência associada a elas: definição de direitos de propriedade, capacidade e incentivos de monitoramento (tanto público quanto privado) e capacidade (institucional e política) de enforcement. Por um lado, a ocorrência de recursos naturais valiosos em locais passíveis de exploração lucrativa estimula a atividade econômica, o que pode trazer consigo violência caso essa exploração se dê à margem da legalidade (caso direitos de propriedade—públicos ou privados—não sejam bem definidos ou garantidos).

Por outro lado, um Estado forte e presente, é fundamental para que áreas com recursos naturais valiosos sejam monitoradas, de modo que terras públicas sejam protegidas e direitos de propriedade privados sejam garantidos, evitando, assim, a ocorrência de atividades ilegais e da violência associada a elas. A combinação desses fatores determina a capacidade do Estado de fazer valer a regulação em uma dada área e, consequentemente, a incidência de ilegalidade e violência. Ou seja, regulações rigorosas em termos ambientais, na presença de um
estado forte e atuante, podem ser muito efetivas na preservação de recursos e minimização de ocorrência de atividades ilegais.

Mas regulações rigorosas, combinadas com um estado ausente e com baixa capacidade, podem gerar competição ilegal por recursos naturais, trazendo consigo as consequências perversas tipicamente associadas à ilegalidade.

Em termos quantitativos, a análise estatística focada nos municípios pequenos—com menos de 100 mil habitantes—da região indica um “excesso de violência” que corresponde a um total de 12160 mortes por homicídio nos 20 anos entre 1999 e 2019 (em comparação com municípios pequenos de outras regiões do país). Esse número—quase duas vezes o total de mortos no conflito Gaza-Israel desde 2008—corresponde ao total de vidas que teriam sido salvas caso os municípios pequenos da região tivessem mantido, ao longo dos últimos 20 anos, taxas de homicídio semelhantes àquelas observada nos municípios pequenos do restante do Brasil (6247
pessoas morreram no conflito Gaza-Israel desde 2008, segundo dados do United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs). Um número relativamente pequeno de municípios sob maior risco de atividades ilegais associadas a grilagem e extração ilegal de madeira e ouro é responsável, em média, por 70% desse “excesso de violência”.

O presente estudo discute também o papel crescente da região nas rotas internacionais do tráfico de drogas e analisa sua influência na dinâmica mais recente da violência na Amazônia. Esse novo risco é dissociado das questões ambientais historicamente típicas da região, mas pode interagir com elas na determinação da dinâmica local de violência. A proximidade de áreas tradicionalmente produtoras de coca—na Bolívia, Colômbia e Peru—sempre colocou a Amazônia na rota do tráfico internacional, mas mudanças nas políticas repressivas no próprio Brasil e em outros países, e uma presença crescente de facções criminosas nacionais na região, reforçam a ideia de um protagonismo maior nos últimos anos.

De fato, a análise estatística indica que municípios sob risco de crimes ambientais se tornam menos relevantes na explicação do “excesso de violência” da região nos últimos cinco anos do período estudado. Isso ocorre não porque esses municípios tenham se tornado menos violentos, mas porque níveis elevados de violência se tornam muito mais comuns na região. Parte desse padrão parece decorrer do papel crescente que a região vem assumindo no tráfico internacional de drogas, com municípios situados nas rotas hidroviárias e rodoviárias usadas pelo tráfico registrando aumentos excepcionais de violência. Mas mesmo essa constatação não é capaz de explicar a maior parte do comportamento recente. A generalização de altos níveis de violência provavelmente reflete uma generalização também da ilegalidade, possivelmente influenciada pelo afrouxamento dos mecanismos de controle de crimes ambientais observado nos últimos anos, e talvez pela expansão da influência do tráfico para áreas além das suas rotas de transporte. A dinâmica recente só aumenta os desafios regulatórios e de monitoramento a serem enfrentados no futuro.

Autores: Rodrigo R. Soares, Leila Pereira e Rafael Pucci

Digital Object Identifier (DOI): http://doi.org/10.59346/report.amazonia2030.202112.ed26