Estratégias para o desenvolvimento da Amazônia Brasileira: lições aprendidas dos arranjos pré-competitivos

Empresas sediadas na Amazônia Legal já exportam 64 produtos compatíveis com a floresta e obtêm receita bruta de quase US$ 300 milhões ao ano (Coslovsky 2021a). Esse valor parece expressivo, mas representa apenas 0,17% do mercado global correspondente. Surpreendentemente, os principais exportadores desses produtos não estão sediados em países de alta renda como Alemanha, Estados Unidos e Japão. Pelo contrário, as empresas que dominam os mercados de produtos compatíveis com a floresta localizam-se em países com renda per capita parecida ou menor que o Brasil, como é o caso da Bolívia, Equador, Costa Rica, Indonésia e Tailândia. Como esses países conseguiram converter seus recursos naturais em setores competitivos e como as lições dessas experiências podem servir de referências para as iniciativas de fomento na Amazônia brasileira?

Para responder essas perguntas, esse estudo examina três casos recentes em que empresas de base rural conseguiram expandir sua participação em mercados competitivos, exigentes e lucrativos. Para manter alguma comparabilidade com a Amazônia, o relatório identificou um caso na Amazônia boliviana (castanha-do-brasil) e dois no Sudeste do Brasil (açúcar e cafés diferenciados e especiais).

Os três casos são ricos em detalhes e permitem muitas inferências, mas a sua mensagem central é uma só: as empresas conseguiram dar a volta por cima graças a sua capacidade de construir e submeter-se a um sistema de aprimoramento contínuo. No contexto desse relatório, sistemas de aprimoramento contínuo são um conjunto de exigências, regras, incentivos e punições que agem de forma integrada para induzir seus participantes a melhorar sua performance além do que parecia possível. Os sistemas de aprimoramento examinados nesse relatório foram compostos por três elementos:

a) “Sarrafo” alto, com ultimato e prêmio por performance. Nos três casos, as empresas foram confrontadas com elevadas exigências de qualidade e sanidade alimentar. Usando uma analogia com o salto em altura, o sarrafo é utilizado para estabelecer o patamar que o atleta deve superar. No caso das empresas, pode-se dizer que elas foram confrontadas a um nível mais alto de exigências de qualidade e serviço do que estavam acostumadas a alcançar. Essas exigências não eram opcionais e não houveram exceções. Nos três casos, as empresas eram monitoradas por um aparato de auditoria e fiscalização bastante diligente. Empresas que mantivessem suas práticas correntes e não atendessem as novas exigências seriam excluídas de mercados importantes. Em contrapartida, aquelas que conseguissem superar o “sarrafo” seriam premiadas com acesso a mercados vultosos e lucrativos.

b) Prospecção e experimentação individual. Uma vez confrontadas com essas condições, as empresas retratadas nos três casos viram-se desalojadas de suas práticas regulares. Graças à combinação de sarrafo elevado com ultimato, fazer mais do mesmo não seria suficiente. Por isso, essas empresas viram-se obrigadas a conduzir um processo de prospecção e pesquisa aplicada para avaliar suas competências, compreender as exigências dos mercados almejados e experimentar diferentes iniciativas para atendê-las. Em todos os casos, as empresas desconheciam a raiz dos seus problemas e qual seria a melhor solução. Por isso, a prospecção precisava ser ampla e pragmática, com ênfase na experimentação.

c) Fortalecimento de arranjos pré-competitivos para promover a busca por boas soluções, disseminar o aprendizado e prover outros recursos compartilhados setoriais. No decorrer desse processo de prospecção, as empresas descobriram também como criar ou fortalecer arranjos pré-competitivos, aqui representados por uma associação ou cooperativa, que as ajudasse a comparar sua performance com seus concorrentes, compartilhar seu aprendizado, e assim descobrir com mais celeridade qual o melhor caminho a seguir. Além de facilitar a descoberta, esses arranjos ajudaram as empresas a produzir recursos compartilhados setoriais (ReCS) que apoiaram sua transformação.

ReCS são recursos que beneficiam todas as empresas de um setor, mas têm pouco valor para empresas fora dele. Os exemplos mais comuns envolvem conhecimento, incluindo informação sobre os atributos do produto, melhores métodos de produção e técnicas de gestão. Dependendo das circunstâncias, ReCS podem incluir também o recrutamento de bons fornecedores ou intermediários, busca por novas oportunidades de negócios e atividades de promoção comercial. Nos três casos, esses recursos foram essenciais para ajudar as empresas a superar o “sarrafo” elevado, mas nenhuma delas teria conseguido provê-los sozinha pois o custo total era maior que o benefício individual.

De forma combinada esses três elementos – a) “sarrafo” alto, com ultimato e prêmio por performance; b) exploração e experimentação individual; e c) fortalecimento de arranjo pré-competitivo que coordena e facilita o processo – criaram um sistema de aprimoramento contínuo que puniu a inércia e induziu as empresas a mobilizar recursos que estavam escondidos, dispersos ou mal utilizados para promover sua transformação.

O relatório está dividido em cinco seções. A primeira resume uma explicação dos dados e sobre os métodos adotados. Em seguida, examina-se como as empresas sediadas na Bolívia tornaram-se as maiores exportadoras mundiais de castanhas do brasil. Depois, analisa-se como um grupo de usinas de açúcar e álcool sediadas no Sudeste do Brasil conseguiu reverter mais de uma década de declínio para que sua cooperativa voltasse a ser uma das maiores exportadoras de açúcar do país. A penúltima seção, examina como um grupo de cafeicultores sediados em Minas Gerais e estados vizinhos criaram um setor que exporta mais de US$ 1 bilhão por ano em cafés diferenciados e especiais. Por fim, propõe-se uma comparação entre as lições que emergem dessas experiências e a prática convencional, a fim de buscar-se vias de promoção do desenvolvimento econômico na Amazônia Legal.

Autores: Salo Coslovsky

Digital Object Identifier (DOI): http://doi.org/10.59346/report.amazonia2030.202111.ed22