Quase um terço da Amazônia é formado por terras públicas sem destinação e, por isso, ameaçadas pela grilagem. Parte destas florestas, inclusive, já estão sob risco eminente de privatização ilegal. Um estudo inédito do projeto Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros em prol do desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal, revela como impedir a grilagem de terras nestes territórios e proteger as florestas públicas com a atual legislação do país.
Conforme o estudo conduzido pela pesquisadora Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o atual arcabouço jurídico brasileiro já é suficiente para proteger boa parte dos 143 milhões de hectares de terras da União, Estados e municípios que ainda não se transformaram em terras indígenas, quilombolas, reservas extrativistas ou unidades de conservação e sofrem com a pressão pelo desmatamento. Mas, para isso são necessários ajustes em decretos.
Desde 2009, a legislação federal veda expressamente a emissão de títulos de terra e concessão de direito real de uso para regularização fundiária em florestas públicas, contudo o processo de destinação de terras seguido pelo governo federal tem desconsiderado esta lei. Segundo a pesquisadora, estas florestas têm sido alvo de desmatamento, ocupações ilegais e pressão pela privatização, ou seja, para que os governos emitam títulos de terra para legalizar essas ocupações. Estas invasões muitas vezes envolvem conflitos violentos com povos indígenas e populações tradicionais que ainda não tiveram seu direito prioritário à terra reconhecido pelo poder público.
“O aumento de violência e degradação ambiental na região tem reduzido investimentos no país e aumentado boicotes contra produtos agropecuários. Por isso, o poder público deve, com urgência, garantir a proteção de suas terras públicas, garantindo a conservação e uso sustentável das florestas públicas, que servem como uma infraestrutura verde e assegura água para outras regiões do país”, afirma trecho do estudo.
Do total de áreas sem informação fundiária, 57,9 milhões de hectares são florestas públicas não destinadas identificadas e inseridas no Cadastro Nacional de Florestas Públicas (CNFP), que pertencem ao governo federal (25,6 milhões de hectares) e estaduais (32,3 milhões de hectares). Desde 2013, a decisão sobre o que fazer com as terras federais passa pela Câmara Técnica de Destinação (CTD), composta por diferentes órgãos federais com alguma atribuição fundiária. Porém, estudos sobre as decisões tomadas pela CTD apontaram uma série de problemas, como a alocação de florestas públicas para regularização fundiária. Na esfera estadual, apenas o Pará previu a criação de uma câmara similar, mas até o momento não foi instalada.
Para assegurar que as florestas públicas federais sejam destinadas de forma compatível com sua conservação, uso sustentável e redução de desmatamento, é necessário alterar as regras de funcionamento da CTD no decreto n.º 10.592/2020, além de revisar e revogar decisões tomadas pela câmara em desrespeito à legislação. Esta revisão permitirá que o Ministério do Meio Ambiente institua Áreas de Limitações Administrativas Provisórias (ALAP) para acelerar a efetiva destinação formal de áreas com prioridade para criação de UCs. As ALAPs são áreas nas quais a administração pública impõe restrições temporárias ao uso e ocupação do solo para garantir a proteção e preservação de recursos naturais.
Além disso, é necessário revogar pedidos de regularização fundiária sobrepostos a florestas públicas e instituir regras vedando inscrições no Cadastro Ambiental Rural (CAR) nestas áreas. Estas duas orientações podem ser adotadas pelo estados mesmo que não possuam câmaras técnicas de destinação de terras estaduais. O estudo ainda recomenda a reinstalação de comitê previsto na Lei n.º 11.952/2009, desativado desde 2019, para ampliar a transparência sobre ações de regularização fundiária federal.