Por séculos, as empresas brasileiras dominaram o mercado de castanha-do-brasil (CB) a tal ponto que, em muitos idiomas, o produto ainda leva o nome do país. Em uma reviravolta surpreendente, em 2019, empresas brasileiras responderam por apenas 11% desse mercado enquanto empresas da Bolívia mantiveram participação de 74%. Isto apesar de operarem em um país com mais turbulência política, menos recursos econômicos, e mais obstáculos estruturais do que seu vizinho sul-americano. Este artigo examina como as empresas bolivianas conseguiram superar essas dificuldades e prevalecer no mercado global de castanhas.
O artigo identifica a decisão da União Europeia (UE), em 1998, de impor padrões sanitários de importação mais rigorosos, especialmente aqueles relacionados à contaminação por aflatoxinas, como o ponto de inflexão na trajetória da indústria tanto na Bolívia como no Brasil.
Logo após essa decisão, tanto brasileiros como bolivianos pleitearam isenção das novas regras, sob o argumento de que as exigências iriam dizimar a indústria, prejudicar comunidades tradicionais dedicadas ao extrativismo florestal e permitir o aumento do desmatamento. As autoridades europeias ouviram esses pedidos, mas não abriram exceção.
As empresas bolivianas responderam à essa nova realidade de forma efetiva e imediata. Primeiro, o governo boliviano passou a exigir que exportadores apresentassem testes negativos de aflatoxina antes de receber uma licença de exportação. Segundo, as empresas localizadas em Riberalta (Bolívia) reabilitaram sua associação empresarial e a equiparam com um laboratório capacitado para verificar o teor de aflatoxinas em castanhas. A associação descobriu que conseguiria cobrir suas despesas caso cobrasse US$ 105 por teste. No entanto, decidiu fixar o preço em US$ 300, um valor US$ 80 abaixo daquele cobrado por um laboratório comercial de La Paz, mas que gerava um excedente para ajudar a financiar suas operações.
Tomando vantagem de sua representatividade política e de sua autonomia financeira, a associação adquiriu também competência técnica, ao contratar consultores estrangeiros especializados em controle de aflatoxinas. Por fim, ela usou seus recursos para ajudar as empresas locais a reformar suas fábricas, desenvolver novos equipamentos, adquirir insumos, treinar seu pessoal e adotar novos métodos de gestão voltados para a garantia de qualidade e de sanidade alimentar. Graças a essas iniciativas, a indústria boliviana manteve acesso irrestrito ao mercado europeu e, em anos subsequentes, ela passou a expandir sua participação em outros mercados também.
Em contraste, o governo brasileiro demorou a agir, os processadores e exportadores brasileiros não conseguiram cooperar entre si, e continuaram enviando lotes contaminados para a UE. Em resposta, as autoridades europeias aumentaram a frequência de inspeções até ela chegar a 100% das cargas de castanha com casca. Por fim, essas condições eram tão onerosas e o envio de cargas para a Europa tornou-se tão arriscado que os exportadores brasileiros desistiram desse mercado.
Hoje, o domínio da Bolívia é tão extenso que suas empresas compram castanhas com casca (isto é, cruas) do Brasil por um valor irrisório, processam e as exportam como castanha sem casca por valores muito mais altos para o resto do mundo. Desde 2010, a Bolívia tem exportado entre US$ 1 milhão e US$ 2 milhões, por ano de castanha sem casca para o próprio Brasil.
Autores: S. Coslovsky
Digital Object Identifier (DOI): http://doi.org/10.59346/report.amazonia2030.202108.ed9