Nos últimos anos, o cenário de negócios relacionados à comida na Amazônia Legal se expandiu. Surgiram startups e produtores que se modernizaram para suprir, com qualidade, mercados exigentes. Lar de algo entre 10% e 15% de toda a biodiversidade do planeta, a Amazônia reúne mais de 2 mil variedades de cacau, 140 variedades de mandioca, 114 tipos de mel de abelhas nativas, dentre centenas de outros itens de uma lista extensa. A combinação dessa biodiversidade rica com negócios dispostos a crescer tem potencial para desenvolver a economia da região. Como tornar isso possível?
Um novo estudo do projeto Amazônia 2030 tenta responder essa questão. No relatório “Territórios da Comida”, o professor associado da Universidade de Nova York Salo Coslovsky, o chef de cozinha e jornalista Roberto Smeraldi, e a engenheira química e pesquisadora do Centro de Empreendedorismo da Amazônia Manuele Lima avaliam a possibilidade de a Amazônia tornar-se uma marca associada a ingredientes novos, capaz de pautar tendências gastronômicas no Brasil e no mundo. Um lugar capaz de abrigar aquilo que os pesquisadores batizaram de “territórios da comida”: regiões capaze de inovar e de gerar riqueza e qualidade de vida para seus habitantes, mantendo a floresta em pé.
Para isso acontecer, sugere o estudo, é preciso garantir que os empreendedores da Amazônia tenham acesso a bens e recursos que, hoje, são escassos na região — como bons fornecedores, mão-de-obra qualificada para realização de atividades específicas e conhecimentos sobre técnicas de produção. Itens que os pesquisadores batizaram de Recursos Compartilhados Setoriais. (ReCS) (veja mais no gráfico ao final do texto)
Dificuldade para crescer
Há indícios fortes de que a Amazônia pode abrigar territórios da comida. Análises anteriores do grupo revelaram a importância econômica do chamado “sistema comida” para a região: mais de 33% dos profissionais ocupados na Amazônia Legal trabalham em atividades ligadas a produção, processamento, comercialização ou descarte de alimentos. Em termos relativos, trata-se de um contingente muito maior do que o verificado no restante do Brasil — que emprega cerca de tantos 24% da força de trabalho no setor comida.
Além disso, a Amazônia já exporta 64 artigos — muitos deles, gêneros alimentícios — que podem ser produzidos de maneira compatível com a floresta e que movimentam um mercado global avaliado em US$ 176 bi anuais.
A criação de territórios da comida foi uma estratégia adotada com sucesso por países como Itália e França. No Peru, lembram os pesquisadores, campanhas bem-sucedidas transformaram a cozinha do país em referência para o mundo.
Para investigar se as cadeias associadas à comida poderiam alavancar a economia amazônica, os pesquisadores conduziram entrevistas aprofundadas com 45 empreendedores já atuantes na Amazônia. São empresários do sistema comida cujos negócios experimentam relativo sucesso.
As conversas revelam que todos têm planos de expansão. É o caso, por exemplo:
1-Das empresas que produzem chocolate, seja com cacau nativo (De Mendes, Na Floresta), seja plantado (Cacauway), e que planejam ampliar sua capacidade produtiva ou rede de distribuição.
2- Da Combu, uma empresa que distribui produtos amazônicos em São Paulo e região Sudeste, tem planos de entrar no ramo de comidas prontas para bares e restaurantes.
3- Da Manioca, que passou a abastecer as gôndolas das principais redes de varejo do Brasil com produtos amazônicos, e segue ampliando seu leque de produtos.
4- Da Nossa Fruits, que comercializa açaí para a França e pretende abrir sua própria planta industrial processadora de açaí na Ilha do Marajó (PA). A empresa planeja usar o mesmo maquinário para processar outros produtos (óleos e extratos) para a indústria de cosméticos.
Apesar do otimismo dos entrevistados, existem entraves ao crescimento desses negócios. Hoje, os empreendedores da comida que atuam na Amazônia desempenham uma espécie de duplo papel. Além de tocar os próprios empreendimentos, muitos ainda se encarregam de financiar Recursos Compartilhados Setoriais (ReCS). Artigos que são importantes para os seus negócios mas que, uma vez disponíveis, beneficiam também seus concorrentes. “É o caso de uma campanha publicitária para promover uma certa variedade de farinha”, exemplifica o chef Smeraldi. “O investimento pode ser feito por uma única empresa. Mas todos os produtores do artigo saem ganhando”.
Na avaliação dos pesquisadores, prover ReCS é uma tarefa “ingrata”. A disponibilidade de ReCs pode definir o sucesso futuro —ou o fracasso — desses empreendimentos. “Os recursos compartilhados setoriais são peça-chave para entender o que está acontecendo ou o que pode acontecer na Amazônia”, afirma Coslovsky.
Na impossibilidade de o Estado preencher essa lacuna, a pesquisa aponta que uma saída possível é a criação de Arranjos Pré-Competitivos. Acordos estabelecidos entre empresas concorrentes de um mesmo setor, que se unem para prover recursos compartilhados sem deixar de competir entre si.
Negócios do encontro
Outra característica marcante dos empreendimentos na Amazônia diz respeito à maneira como esses negócios costumam começar. A maioria dos casos analisados surgiu a partir do encontro entre um amazônida — que conhece a região, seus ingredientes e cultura — e uma pessoa de fora da Amazônia, ou que passou algum tempo distante da região. “Muitos amazônidas – por razões variadas – têm dificuldade em identificar e valorizar o potencial de sua região. Somente quando saem […] para algum intercâmbio ou visita, é que as oportunidades potenciais da Amazônia ficam mais explicitas. E o mesmo vale para pessoas de fora que não conseguem identificar ou sequer apoiar oportunidades e modalidades de negócio por desconheceram a região”, diz o estudo.
Na maioria dos casos, esses encontros acontecem de maneira pouco planejada. Os pesquisadores avaliam que a criação de programas de intercâmbio, que pudessem estimular e viabilizar esses encontros, ajudaria a impulsionar o ecossistema de negócios na Amazônia.
Autores: Salo V. Coslovsky, Roberto Smeraldi e Manuele Lima dos Santos
Digital Object Identifier (DOI): http://doi.org/10.59346/report.amazonia2030.202111.ed16