Falta de infraestrutura e medicações, médicos rotativos, gestores sem capacidade técnica. Essa é a realidade dos municípios da Amazônia Legal que padecem sem atendimento adequado ao contexto da região. A situação é ainda pior quando se trata dos municípios mais isolados, como territórios indígenas. Sem possibilidades sequer de acesso à atenção mais básica de saúde, os pacientes da região esperam à própria sorte por soluções eficazes.
Esse é um pouco do cenário encontrado por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a partir de uma análise feita com base em depoimentos de atores-chave para a região, durante a segunda parte do estudo “Saúde na Amazônia Legal”. Coordenado por Rudi Rocha e desenvolvido em parceria com Marcela Camargo, Lucas Falcão, Mariana Silveira e Gabriela Thomazinho, a análise é a continuidade da pesquisa sobre a oferta de saúde na Amazônia Legal. Nessa etapa, foram entrevistados especialistas, lideranças comunitárias e indígenas, gestores públicos, profissionais da saúde, representantes de ONGs atuantes na saúde e autoridades sanitárias sobre suas percepções acerca das principais problemáticas ligadas à saúde na região e possíveis soluções para as questões.
Fatores importantes foram elencados, como as características geográficas da Amazônia, a exemplo das grandes distâncias, que refletem na dificuldade de acesso a muitas áreas, assim como a presença de diferentes povos e comunidades tradicionais, que constroem um contexto muito diverso para a provisão de saúde aos municípios. Em suma, são povos diferentes, em áreas diferentes, com tradições e costumes diferentes e complexos – e que precisam ser levados em consideração antes de qualquer planejamento, o que nem sempre ocorre.
Durante as conversas, três eixos principais foram destacados: desafios às condições de acesso e oferta de serviços de saúde na Amazônia, saúde indígena e boas práticas e respostas aos desafios identificados. O primeiro trata sobre as dificuldades de planejamento e financiamento de ações em saúde adequadas às necessidades do contexto amazônico, que vão muito além de recursos financeiros e esbarram, sobretudo, na capacidade técnica dos gestores da região.
SAÚDE INDÍGENA
A saúde indígena foi o segundo eixo do estudo elaborado pelos pesquisadores. Em estruturas ainda mais complexas do que as dos outros municípios da Amazônia Legal, a saúde da população indígena requer estudos e atitudes próprias, com desafios que precisam levar em consideração, sobretudo, a heterogeneidade desses povos – fator que interfere diretamente no perfil epidemiológico de cada um.
Em síntese, indígenas da Amazônia Legal enfrentam desafios diversos e diários para conseguirem ter acesso, mesmo que básico, aos serviços de saúde. Os entraves vão desde a formação dos profissionais no combate ao racismo até à maior articulação entre órgãos e gestores. Isso ficou visível, inclusive, por meio dos números: as dificuldades de articulação entre a Sesai e os governos subnacionais foi o aspecto mais mencionado pelos entrevistados como desafio para uma boa oferta de saúde aos povos da região.
BOAS PRÁTICAS E RESPOSTAS AOS DESAFIOS
Por fim, foi questionado aos entrevistados possíveis soluções para os problemas levantados. Em depoimento, eles apontaram inúmeras alternativas para a melhora da oferta de saúde na Amazônia Legal, como o fomento e aprimoramento das capacidades institucionais municipais e estaduais de planejamento, financiamento e gestão de serviços de saúde adequados ao contexto amazônico e maneiras de incentivar não só a ida de profissionais da saúde para as áreas, como a fixação dos mesmos nesses locais. Além disso, a valorização e ampliação do uso de práticas integrativas e complementares em saúde, tão usadas pelos povos tradicionais, também foram fortemente mencionadas. Foi quase unanimidade entre os entrevistados o fato de que todas as tecnologias disponíveis, como a telemedicina, precisam estar inseridas na Amazônia, tanto para possibilitar o adequado atendimento de saúde, quanto para contornar os desafios logísticos.
RESULTADOS
Apesar das inúmeras menções em diferentes áreas, alguns temas foram mais recorrentes do que outros: das 1039 menções dos entrevistados sobre os três eixos, 48% do total se referem aos temas de gestão/planejamento/financiamento das ações em saúde como os problemas centrais para a oferta de saúde na Amazônia Legal.
Para os pesquisadores, estes resultados sugerem que, “tanto em termos de desafios, quanto em relação às possíveis alternativas ou soluções, há especial atenção sobre o tema da gestão no contexto amazônico, principalmente quando se trata de financiamento e planejamento em saúde, e quando se leva em conta a necessidade de arranjos e modelos de governança capazes de articular diferentes entes federativos e esferas de pactuação interfederativa na saúde”. Nesse sentido, muitos entrevistados destacaram a importância da atuação coordenada e articulada entre municípios, estados, união e esferas de pactuação interfederativa no SUS, buscando uma melhor organização das redes de atenção à saúde, com fluxos e referências estabelecidos conforme especificidades regionais e territoriais, incluindo a saúde indígena.
Por fim, cabe ressaltar que, na visão de muitos dos atores-chave, as especificidades geográficas da Amazônia não deveriam ser vistas como um impeditivo à adequada oferta e organização de serviços de saúde, e sim como um contexto específico que requer respostas adequadas e, sobretudo, coordenação e colaboração entre as instituições.
Autores: Rudi Rocha, Marcela Camargo, Lucas Falcão, Mariana Silveira, Gabriela Thomazinho.
Digital Object Identifier (DOI): http://doi.org/10.59346/report.amazonia2030.202202.ed28