Nos últimos 20 anos o açaí, uma palmeira típica das várzeas da Amazônia, experimentou um boom de popularidade. Em 2019, o mercado global do produto chegou a US$ 720 milhões — e a previsão é de que alcance US$ 2,1 bilhões até 2025. Apesar do prognóstico positivo, os produtores de açaí da Amazônia enfrentam dificuldades para se tornar competitivos. Faltam recursos importantes para o seu desenvolvimento: os desafios vão da falta de tecnologia para processamento e embalagem do produto à dificuldade de seguir padrões de qualidade que atendam intermediários e importadores. Conforme surgem plantios de açaí em outras regiões tropicais, essa escassez de recursos pode fazer com que os produtores de açaí da Amazônia fiquem para trás na disputa pelo mercado global do produto.
Esse quadro é descrito no relatório “Amazônia: territórios da comida — a década do Açaí”. O estudo, realizado no âmbito do projeto Amazônia 2030, foi conduzido pelo chef de cozinha e jornalista Roberto Smeraldi, e pela engenheira química e pesquisadora do Centro de Empreendedorismo da Amazônia Manuele Lima. Os pesquisadores entrevistaram empreendedores que atuam na cadeia do açaí, de modo a analisar quais os principais desafios que, hoje, afetam o setor, e apontar caminhos possíveis para superá-los.
O trabalho mostra que a cadeia do açaí na Amazônia enfrenta dois grandes desafios. Primeiro, existe a perspectiva de concorrência com o açaí plantado em outros países tropicais, como é o caso da Indonésia e do sudeste asiático. Segundo, ainda não há garantia de que a oferta de açaí na Amazônia crescerá sem pressionar a floresta: existem riscos de que o açaí plantado de terra firme acabe pressionando o desmatamento de novas áreas.
Para superar essas incertezas, o estudo sugere que é preciso agregar valor ao produto. O açaí tem potencial para ampliar sua participação na economia regional. Porém, é preciso avançar com adoção de um tripé de medidas: melhorar os níveis de industrialização, educar o mercado quanto à variedade genética do produto e a diferenciação de origem, e afirmar padrões de qualidade, incluindo aspectos sanitários e socioambientais.
Os entrevistados apontam que é essencial trabalhar para construir a reputação do açaí da Amazônia, permitindo o reconhecimento de indicações geográficas. Como disse um dos empreendedores consultados, é possível estabelecer “um Grand Cru de açaí Curralinho, Açaí do Baixo Tocantins, Açaí do Amapá”.
É possível, ainda, incorporar avanços tecnológicos. Na industrialização do açaí, tendência prevista por alguns é que haja uma revolução no processamento do fruto. Isso porque o açaí é um fruto muito perecível e que sofre oxidação entre colheita, transporte e processamento. Novas tecnologias, já disponíveis, permitiriam transformar o açaí em um produto de prateleira, que dispensa refrigeração.
Além disso, conforme a produção de açaí cresce, é necessário garantir que ela ocorra segundo padrões compatíveis com a floresta. Para isso, certificações de produção orgânica e selos socioambientais são importantes.
Segundo os autores do trabalho, para garantir tais avanços — que são onerosos para um produtor individual, ao mesmo tempo em que são benéficos para todo o setor — os empreendedores da cadeia do açaí podem se associar em arranjos pré-competitivos: acordos segundo os quais empresas concorrentes se unem para prover recursos de uso comum, sem, no entanto, deixar de competir entre si.
Autores: Roberto Smeraldi e Manuele Lima
Digital Object Identifier (DOI): http://doi.org/10.59346/report.amazonia2030.202111.ed17