O mundo todo está de olho na Amazônia, mas nem todo projeto que pensa soluções para a região se lembra de olhar para as mudanças demográficas. Se debruçar sobre essas questões é fundamental porque a população da Amazônia está envelhecendo e isso tem trazido oportunidades mas também grandes desafios para o desenvolvimento da região.
É o que mostra novo estudo do Amazônia 2030, que analisou 160 anos de dividendos demográficos e chegou a alguns pontos fundamentais para entender o que tem acontecido e o que irá acontecer por lá nas próximas décadas. Segundo o trabalho, o rápido crescimento da população adulta, que fez crescer a renda per capita potencial na região amazônica durante décadas, se aproxima de seu fim, assim como já aconteceu em outras regiões do Brasil e também em outros países do mundo.
“Logo a população de idosos da Amazônia vai começar a crescer de forma mais significativa. Ela ainda é vista como um lugar de crianças, adolescentes e adultos jovens, porque é, mas isso está mudando muito rapidamente, o que deveria ser levado em conta por todos os projetos que estão sendo pensados para lá. Vale lembrar, que a dinâmica demográfica está associada a praticamente todas as variáveis sociais, econômicas e políticas”, ressalta Cássio Turra, um dos coordenadores do estudo.
O pesquisador explica que a queda nas taxas de natalidade e a forte imigração dos anos 1970 e 1980 propiciaram um crescimento acelerado na proporção da população em idade economicamente ativa. Entretanto, com o avanço da transição demográfica, um número expressivo de nascidos em décadas anteriores alcançará as idades mais velhas. “Haverá consequências para a economia local, obrigando a sociedade a se adaptar ao novo contexto”, afirma.
“A partir dos anos 2030-2040 haverá uma inflexão na razão de suporte da Região Norte. Ela diminuirá, voltando, já em 2060, para os níveis observados em 2000, quando havia 134 adultos para cada 100 jovens e idosos. A queda de mais de 30 adultos por 100 dependentes, entre 2030 e 2060, resultará em um efeito negativo sobre o PIB per capita potencial da região de cerca de 1,3% ao ano”, diz o trabalho, que ressalta que isso acontece com um certo atraso regional na Amazônia, mas com tendências demográficas similares ao que já está sendo experimentado em outras regiões.
Isso quer dizer que, embora a economia na região venha sendo impulsionada pela dinâmica demográfica nas últimas décadas, as mudanças nas variáveis populacionais devem afetar essa tendência. “A questão que se coloca para o futuro é como gerar crescimento e desenvolvimento econômico, mesmo com a redução absoluta e relativa no tamanho da população adulta e o crescimento acelerado do número de idosos”, ressalta o trabalho.
“Os sistemas econômicos públicos e privados, os mercados e as famílias serão obrigados a se adaptar a uma nova configuração populacional. A demanda por transferências de renda, serviços de saúde e cuidados de longa duração aumentará significativamente. O espaço urbano e os domicílios precisarão ser transformados para se ajustar às necessidades dos idosos. Em uma região de grandes distâncias, a logística para a oferta de serviços de saúde e de cuidados para os idosos será mais complexa”, conclui o estudo, que ressalta que ainda há tempo para transformar a transição demográfica da região em novos ganhos para sua população. Mas deixa claro que “sem planejamento e políticas adequadas, a população da região corre o risco de envelhecer em condições ambientais, econômicas, sociais e humanas bastante adversas.”
Bônus de gênero e de educação
O estudo destaca que não foi apenas a mudança na estrutura etária que propiciou ganhos econômicos para a região. Outros fatores associados à transição demográfica se destacaram. “Na Amazônia Legal, o período entre 1980 e 2010, foi marcado por uma combinação de mudanças potencialmente positivas: o primeiro dividendo demográfico esteve associado aos bônus de gênero e de educação.” O primeiro diz respeito ao crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, um processo que está relacionado a mudanças na fecundidade, nas relações de gênero, na estrutura das famílias e do mercado de trabalho.
O segundo fator se refere ao crescimento da produtividade do trabalho pelo aumento da escolaridade — uma redução no crescimento da população de crianças resultou em mais pessoas com ensino fundamental e médio completo. Infelizmente, as desigualdades, as condições de vida e a ausência de políticas adequadas impediram que os ganhos econômicos fossem ainda maiores nas últimas décadas. “Em vários anos, o PIB per capita da região cresceu abaixo dos dividendos demográficos. Com o avanço do envelhecimento populacional, a margem será cada vez menor. Mas ainda é possível utilizar a transição demográfica na promoção do desenvolvimento sustentável da região. É preciso que a sociedade se mobilize para aproveitar o contexto de famílias menores e longevidade crescente, transformando-o em um cenário de mais igualdade, respeito e crescimento na região”, explica Cássio Turra.
O relatório é o terceiro de um conjunto de três documentos que analisam as várias mudanças na dinâmica populacional da Amazônia Legal e algumas de suas consequências. Os dois estudos anteriores podem ser acessados aqui e aqui.
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