A saúde da população na Amazônia Legal está ficando para trás. A expectativa de vida é menor que a média brasileira, mais pessoas morrem por doenças infecciosas, acidentes e violência, e há um descompasso entre uma demanda crescente por serviços de saúde na região e uma oferta de serviços que permanece restrita. Como agravante, os governos locais têm baixa capacidade de fazer frente aos desafios da saúde, em parte porque são mais dependentes de transferências federais e porque os custos nessas regiões tendem a ser substancialmente superiores na região em comparação ao resto do país.
O diagnóstico faz parte de uma série de três relatórios sobre saúde na Amazônia no âmbito da iniciativa Amazônia 2030. O terceiro e último, que acaba de ser lançado, traz 6 recomendações para políticas de saúde e prioridades para a ação:
Fortalecimento da atenção primária – dado o isolamento de populações em áreas remotas e o envelhecimento populacional, os serviços de atenção primária tornam-se cada vez mais fundamentais para evitar que quadros que poderiam ser simples se agravem e a população tenha que recorrer a serviços de urgência e emergência distantes. Neste sentido, a Amazônia Legal não pode abrir mão de serviços que sejam acessíveis, contínuos e resolutivos na ponta, com ações de prevenção e promoção de saúde, valorização de agentes comunitários e agentes indígenas de saúde, capazes de captar a demanda e antecipar problemas no território.
Implementação de uma governança colaborativa – entre entes da federação, bem como entre gestores federais, estaduais e municipais, além de ONGs, institutos de pesquisa e universidades. Como a capacidade administrativa de governos locais ainda é um desafio, a recomendação é a de que o governo federal e os estados assumam maior protagonismo nesta articulação regional.
Maior financiamento, mais eficiência no gasto, compartilhamento e coordenação no uso destes recursos – na Amazônia há uma combinação de capacidade mais baixa de financiamento com recursos próprios, custos de operação mais altos e sobreposição de jurisprudências. Estes elementos resultam em uma necessidade maior de recursos e coordenação do gasto. Por isso, o aporte de financiamento e recursos (físicos e humanos) deve ser vinculado à coordenação entre municípios na alocação e compartilhamento de insumos, assim como ao monitoramento conjunto no uso dos recursos.
Fortalecimento das capacidades administrativas em nível local – a Amazônia precisa de suporte direto de gestores federais e estaduais e a formação e treinamento contínuo de gestores locais, tanto para a gestão e o planejamento quanto para a execução dos serviços de saúde no contexto específico da região, que é particularmente desafiador em comparação ao restante do país e, portanto, requer suporte específico.
Melhoria da qualidade dos dados disponíveis – este é o caso dos sistemas de informação e estatísticas vitais, indígenas e do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do MS/Datasus. A partir da disponibilidade de informações, é preciso que exista capacidade analítica/epidemiológica para a identificação das demandas da população e fazer uso de indicadores no planejamento das políticas de saúde. A análise e a vigilância podem ser centralizadas em nível federal, em articulação e constante comunicação com gestores estaduais e municipais.
Financiamento que garanta às unidades de saúde condições necessárias ao pleno funcionamento – como é o caso de acesso à energia, saneamento, sistemas de comunicação e notificação adequados. Estes insumos requerem tanto investimentos quanto provisão para custeio, e devem ser adaptados ao contexto amazônico – caracterizado, por exemplo, por grandes distâncias, população esparsamente distribuída no território, pela heterogeneidade geográfica, pela diversidade cultural e epidemiológica. Pelo lado de recursos humanos, é importante avançar em estratégias de provimento e fixação de profissionais de saúde na região, discutidas em detalhes neste relatório. Destaca-se também a necessidade de investimentos em condições urbano-ambientais e sanitárias, incluindo melhorias em infraestrutura de saneamento e acesso à água tratada – muito embora tais investimentos estejam, em princípio, fora do escopo de políticas de saúde, são fundamentais como políticas para a saúde da população.
“Dificilmente observaremos avanços efetivos na saúde da população na Amazônia – ou em indicadores sociais, em geral – sem uma mudança no modelo de desenvolvimento econômico para a região”, destaca Rudi Rocha, pesquisador responsável pelo relatório. Segundo o trabalho, o atual modelo em curso, baseado em exploração agropecuária e na ocupação desregulada do território, não tem sido capaz de gerar riquezas para a população local, receitas para o financiamento adequado de serviços públicos e para o desenvolvimento humano na região, muito pelo contrário.