As cidades na Amazônia Legal: diagnóstico, desafios e oportunidades para urbanização sustentável

Com um padrão de urbanização completamente diferente do restante do país, com população dispersa, baixa densidade demográfica, ausência de “cidades médias”, pouquíssimas metrópoles e grandes distâncias entre centros urbanos, Amazônia Legal tem acesso deficitário a serviços de infraestrutura básica para uma vida digna, como rede geral de abastecimento, coleta de lixo adequada, energia elétrica e rede de esgoto. Se comparado ao restante do país, os mais de 700 municípios da região estão em desnível em todos os indicadores.

A relação entre a o padrão de urbanização e aos índices de qualidade de vida é apontada no estudo realizado por Flávia Chein e Igor Procópio, pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e do projeto Amazônia 2030, que detalharam, em relatório, as faces do processo de criação de cidades e urbanização da Amazônia Legal. O objetivo é identificar e elaborar soluções e políticas para urbanização mais sustentável na região.

Definir o que é a urbanização é o ponto de partida para a análise. Nesse estudo, o espaço urbano é definido a partir da densidade demográfica (total de população dividido pela área em questão). Segundo Chein, esse é um indicador “capaz de refletir a presença do homem no território, gerando o que a gente chama de um espaço construído”. 

DIAGNÓSTICO E DESAFIOS

Dividido em duas partes, o estudo, “As cidades na amazônia legal: diagnóstico e desafios para urbanização sustentável”, visa colocar luz a questões primordiais no que se refere à urbanização da Amazônia Legal. Para isso, o relatório faz um breve resgate dos momentos que marcaram ou definiram a ocupação do território nos últimos 60 anos, analisa como está o atual processo de urbanização, considerando o acesso a serviços de infraestrutura básica, comunicação, equipamentos urbanos de cultura, esporte e lazer, bem como os instrumentos de gestão e política urbana disponíveis. Em seguida, coloca-se uma lupa sobre as cidades, com o intuito de entender onde de fato estão as áreas urbanizadas, mapear as heterogeneidades intramunicipais e olhar para as distribuições dos indicadores, sempre comparando o que acontece na Amazônia Legal com o que é observado no restante do Brasil.

Na primeira parte do relatório, os pesquisadores fazem um breve apanhado histórico da região, além de uma revisão do processo histórico das políticas de ocupação do território da Amazônia Legal e da formação de cidades na região. São analisadas informações municipais, que permitem o mapeamento do crescimento populacional, da densidade demográfica e do acesso aos serviços de infraestrutura urbana, equipamentos urbanos e comunicação, bem como dos instrumentos de planejamento e gestão do espaço urbano disponíveis. Os indicadores analisados são construídos a partir de informações disponíveis em bases de dados como os Censos Demográficos de 2000 e 2010, e a Pesquisa de Perfil dos Municípios de 2019.

Entre 1960 e 2010, observa-se um crescimento significativo da região, que passa por uma “explosão” no número de municípios. Nesse período, foram criados 2804 novos municípios no Brasil, dos quais 545 foram criados na Amazônia Legal, como pode ser observado na tabela a seguir.

De 1960 a 1991, a população da Amazônia Legal salta de cerca de 5,8 milhões de habitantes para quase 17 milhões, chegando a mais de 25 milhões em 2010, um incremento populacional de 347%, enquanto o restante do Brasil registra um crescimento de apenas 156%. Grande parte desse incremento populacional ocorreu no entorno dos eixos rodoviários, como a BR-364, Cuiabá-Porto Velho, em Rondônia. Fica claro que o processo de ocupação e interiorização da urbanização, que historicamente surgia ao longo dos cursos de rios da Amazônia, é diretamente impactado, a partir da década de 60, pelos novos eixos rodoviários.

Entretanto, por trás da construção de importantes eixos rodoviários, fundamentais para a urbanização e integração da região, há uma desenfreada cadeia de exploração de recursos naturais. São, como os pesquisadores definiram, “estratégias de ocupação baseadas na exploração”, que repercutem diretamente no adensamento de estradas, aumento do desmatamento e focos de calor. Segundo o relatório, essa redução da distância física provocada pelas ligações rodoviárias com as demais regiões do País está lado a lado ao processo de ocupação acelerada, que acaba provocando alarmantes consequências ambientais. Para eles, fica evidente, assim, que “as cidades não foram capazes de incorporar a floresta e o ecossistema natural no desenho urbano”.

“Grande parte do processo de ocupação da Amazônia e de interiorização do desenvolvimento no Brasil foi delineado pela escolha de modal de transporte rodoviário. Programas que financiaram a construção de importantes rodovias da Amazônia Legal, como a BR-364, depois, passam a ser questionados pela população local, porque levaram ao desmatamento e geraram cidades que foram criadas a partir da eliminação de regiões de floresta”, pontua Flávia Chein.

Autores: Flávia Chein e Igor Vieira Procópio.