Ferrogrão (EF-170): Lições para o Planejamento de Infraestrutura na Amazônia

O Brasil tem enfrentado um histórico de desafios na execução de grandes projetos de infraestrutura na Amazônia, caracterizado por retornos sociais baixos e falhas recorrentes na governança dos investimentos. Entre os principais problemas estão a fragilidade no planejamento, baixa qualidade dos projetos, gestão ineficaz na implementação e ausência de avaliações rigorosas de impacto. Como resultado, esses projetos, frequentemente, enfrentam atrasos e gastos excessivos, como demonstrado no caso da Ferrogrão.

O projeto Ferrogrão, uma ferrovia de 976 quilômetros planejada para conectar Sinop (MT) a Miritituba (PA), exemplifica os desafios mencionados. Desde a sua apresentação à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) até a suspensão de sua implementação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o projeto tem sido alvo de controvérsias, incluindo subestimação de custos e prazos, além de dúvidas sobre sua viabilidade ambiental e jurídica. O STF interrompeu as obras em razão da contestação sobre a desafetação de áreas do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, levantando mais questionamentos sobre a sustentabilidade do projeto.

O estudo, produzido pelo economista Claudio R. Frischtak em parceria com o projeto Amazônia 2030, aponta três principais áreas problemáticas relacionadas ao Ferrogrão:

  1. Viabilidade Econômico-Financeira: Os números originais apresentados ao Tribunal de Contas da União (TCU) em 2020 estão muito distantes da realidade atual. Estimativas indicam que o retorno financeiro do projeto, baseado em premissas realistas, é sete vezes menor do que o previsto inicialmente, exigindo uma contrapartida significativa de recursos públicos para viabilizar o projeto como Parceria Público-Privada (PPP).

    Atualizado para junho de 2024, o custo de capital do projeto está estimado em R$ 11,45 bilhões, com prazo de execução de nove anos e uma tarifa de R$ 110,05/mil toneladas por quilômetro útil (TKU). Essa estrutura levaria a uma Taxa Interna de Retorno (TIR) de 11,04%, considerada inadequada para garantir a viabilidade do empreendimento.

  2. Cenário Realista: Com base na experiência de projetos similares, como a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO I), a Taxa Interna de Retorno realista para a Ferrogrão seria de apenas 1,6%. Isso resulta de uma despesa de capital total de R$ 36,86 bilhões, incluindo os desafios impostos pela topografia e geologia da Amazônia, além de riscos sociais e ambientais. O tempo de execução também seria muito maior, estimado em 22 anos, em vez dos nove anos originalmente previstos.

  3. Impactos na Tarifa: O modelo de receita por mil TKU da Ferrogrão, ajustado pelo IPCA, apresenta uma tarifa de R$ 110,05, considerada alta demais para garantir a competitividade da ferrovia frente a alternativas, como a rodovia BR-163, que corre paralela ao traçado da ferrovia e deve ser duplicada nos próximos anos. A necessidade de reduzir tarifas para manter a competitividade pode resultar em uma TIR negativa, elevando a dependência de subsídios públicos para manter o projeto viável.

Mapa da Amazônia Legal com as Rotas de Integração do Centro Oeste aos Mercados. Essas rotas incluem os trajetos das principais rodovias, hidrovias e ferrovias da região em operação ou construção.
MAPA – Rotas de Integração do Centro Oeste aos Mercados

 

Diante desses desafios, a necessidade de uma avaliação mais rigorosa dos investimentos públicos em grandes obras de infraestrutura na Amazônia se torna evidente. O estudo destaca que, sem uma contrapartida significativa do governo federal, o projeto Ferrogrão dificilmente se sustentaria, tornando-se um fardo financeiro com poucas perspectivas de retorno econômico adequado. Estima-se que, no cenário mais otimista, o Tesouro Nacional teria que aportar R$ 32,5 bilhões, representando quase 90% do custo total de implantação.

Esses resultados levantam questionamentos não apenas sobre a viabilidade do Ferrogrão, mas também sobre a sustentabilidade de grandes obras na Amazônia, destacando a urgência de melhorar a governança dos recursos públicos e a gestão de projetos de infraestrutura no Brasil.